segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Entrevista


                                            
No ano de 2009, a estudante Juliana Sales, conversou com a fundadora do projeto Casa da Criança Santa Ângela, Angélica Chiavacci (Leiga italiana consagrada). Acompanhe:

Fale-nos um pouco sobre a sua chegada ao Brasil e como surgiu o projeto da Casa da Criança Santa Ângela
Eu cheguei ao Brasil no ano de 1989, convidada pelas Filhas de Sta Ângela (freiras) para conhecer a realidade do país. Fiquei um mês só passeando e o Pe. Álvaro, pároco do Santuário Santa Edwiges na época, pediu que eu ficasse no Brasil para cuidar das crianças da favela. Eu fiquei espantada com o pedido, eu não falava português e já tinha 55 anos.
Retornei para Itália pensando na proposta, resolvi aceitar, me aposente e no dia 10 de agosto de 1990 (Dia de São Lourenço), cheguei ao Brasil com a intenção de morar aqui até o fim da minha vida, mas depois de 5 anos de trabalho, a minha congregação pediu que eu retornasse.
Eu comecei aprendendo a língua. Fazia visitas nos barracos na favela de baixo, (Sacomã) conhecia as famílias e as suas necessidades. Uma mãe me pediu para ajudar seu filho a fazer lição de casa e ali comecei a realizar concretamente minha presença, ajudando com o reforço escolar. Começamos na cozinha dessa família com três crianças, era um barraco. Depois chegaram os filhos das vizinhas e a quantidade de crianças aumentava cada vez mais Adquiri alguns barracos e com o tempo, montamos nossa escolinha.
O projeto era ajudar as crianças a não repetirem a escola. No começo eu só dava duas balas para cada criança, pois não tínhamos dinheiro, depois com alguns amigos italianos, dávamos um copo de leite com bolacha, durante o período que eles ficavam na escola. Atualmente nós damos duas refeições para cada criança, quatro durante o dia e contamos com a ajuda da Prefeitura de São Paulo.

Quais eram as necessidades sentidas antes e agora?
Houve evolução, por exemplo, a Bolsa família dada pelo governo de São Paulo, incentiva as mães a levarem as crianças para escola. Porém, quando falamos de evolução, não há uma verdade absoluta, pois ainda hoje há crianças que moram em barracos. Surgiu uma nova favela construída ao lado da CCSA, pior do que aquela que conheci há 19 anos atrás. Muitas crianças da nossa escola moram nesse local, há aqueles que melhoraram sua condição, mas vão chegando novos a cada ano. Eles não conseguem pagar o aluguel de suas casas e vão morar nos barracos.

Quem são os colaboradores do projeto?
No começo eu era sozinha, eu dava aula para todas as crianças da 1ª a 5ª série. As crianças traziam seus irmãos pequenos para a escola, pois não podiam deixá-los sozinhos. No começo tínhamos uma voluntária que cuidava dos menores, para que eu pudesse dar aula. Com o tempo conseguimos pagar um salário para ela, pois ela ficava conosco durante todo o dia. Também conseguimos dividir as séries com outra professora, que lecionava para 1 e 2ª série e eu para 3ª, 4ª e 5ª.  Crescemos e chegaram novas professoras. No começo todas voluntárias, depois conseguimos pagar seus salários. Inclusive a Célia, atual diretora. Eu orientei e passei a responsabilidade para elas administrarem a casa, pois fui chamada a retornar para Itália. Depois de quase seis anos no Brasil. A Obra Social Santa Edwiges também assumiu conosco esta responsabilidade.
Na Itália comecei pedindo ajuda aos amigos, uma ajuda permanente direcionada à uma criança. Este “padrinho” acompanha e gosta de ver o crescimento de seu “afilhado”. As crianças adoram a idéia de ter um padrinho italiano.

Tem algum fato marcante que a senhora queira partilhar?
Houve um o despejo dos barracos na favela do Sacomã, foi terrível. Eu estava dando aula e chegaram com o aviso de que devíamos sair do local e só tínhamos 15 dias. Houve choro e desespero. A prefeitura ofereceu dinheiro para que as pessoas voltassem para suas casas, muitos deles migrados do Nordeste, mas eles não queriam voltar. Nós lutamos bravamente, fomos até a prefeitura com representantes pedindo um local para essas pessoas. Naquele momento a prefeitura estava construindo o projeto Cingapura, mas já estava destinado à outras pessoas. O meu irmão Pe. Enrico divulgou nos jornais da Itália a situação e eu mostrei para as autoridades brasileiras. O que mais me marcou foi uma passeata que fizemos. Saímos na rua levando bandeira, o Pe. Miguel (pároco do Santuário, após o Pe. Álvaro) estava com os representantes de Heliópolis. Nós paramos o trânsito por 10 minutos, foi somente o que a policia permitiu, mas a mídia registrou todo o acontecimento. No final conseguimos um local para essas pessoas ficarem e também foram recolocados nos prédios do Cingapura.

Depois de quase 20 anos, quais são os seus sentimentos pelo projeto?
O meu sentimento é que Deus fez tudo isso, pois sozinha ninguém poderia fazer. Buscamos fazer a promoção humana cristã, dar dignidade, valorizar o ser humano. E isso se completou com as bolsas parciais de estudo que oferecemos.
Eu sinto uma grande alegria e muito orgulho dessas crianças e jovens. Há um moço que participou da nossa escola no começo, hoje está casado e possui estabilidade. Ele pediu para ser padrinho de uma de nossas crianças, como aconteceu com ele. É fruto desse trabalho.

Gostaria de deixar alguma mensagem aos nossos leitores?
A melhor mensagem que posso deixar é o exemplo. Tudo que aconteceu mostra que Deus nos apóia sempre. Quando a pessoa faz tudo que ela pode, Deus faz muito mais. Deus faz o impossível tornar-se possível!

Nenhum comentário:

Postar um comentário